quarta-feira, abril 11, 2012

É proibido proibir

Pertenço a uma geração para a qual a única coisa que era proibido era, precisamente, proibir. Agora, este Governo miserável – que, com a nossa passividade, a nossa deficiente cidadania, mantemos no poder – expulsa, rasga, «descontinua», saca, proíbe.
Desta vez é o ministro do FNS (leia-se «Fim do Sistema Nacional de Saúde») que vai proibir o fumo do tabaco, nos carros que transportem crianças. Duas coisas que ainda faço, apesar da minha provecta idade, são fumar e conduzir, não necessariamente ao mesmo tempo. Mas procuro não fumar no carro, e nunca, mas nunca, fumo com passageiros lá dentro. E muito menos com crianças. Nem em casa o faço.
Desta vez não em nome da saúde mas dos gastos com a doença e as baixas, vem o ministro proibir-nos?! É claro que não fumar na presença de crianças é a atitude correcta; o que não posso aceitar é que seja o governo a proibir. Mas…
Que governo é este? Que cidadãos somos nós? O que vão eles proibir a seguir? Em nome de quê? E ninguém os proíbe de praticar atentados, como este do fecho da maternidade Alfredo da Costa?

sexta-feira, julho 23, 2010

quatro da tarde

Salvador Dali


às quatro em ponto da tarde, uma hora antes

de Lorca, guardo a tua mão na minha e deixo-me

ficar… não sentes? é certo que agora vives

dentro da minha cabeça, que todo o meu corpo

grita pelo teu corpo, que anseio pela doce carícia

dos teus dedos, pelo toque dos teus cabelos no

meu rosto mas às quatro em ponto da tarde guardo

a tua mão na minha mão… ligado a ti.

senhora de mim


Cativo dos teus olhos, preso na
doçura das tuas mãos, uma só
noite fez de ti senhora de
mim. São tão inesperados
os caminhos da lua…

ausência 2

Van Gogh - o quarto


Dói-me a ausência da tua voz. Sem ela,

como poderá a noite ter luar?


sábado, maio 08, 2010

Subúrbio

Pintura de Manuel Reyna


No ar um cheiro a churrasco a fim de tarde a cansaço
Na paragem de autocarro uma mulher afaga distraidamente
a face enquanto fita o nada sobre o ombro esquerdo
A fila de carros enche a rua Começa a chuviscar abrem-se chapéus
há quem se apresse Um homem já de idade escorrega no passeio
levanta-se inseguro apalpa-se não foi nada
hoje chegará ainda a casa talvez esboce um sorriso troque
uma carícia Sobre as casas ruas becos tudo é
sombra desesperança subúrbio.

quinta-feira, abril 22, 2010

Virgulas


Descubro vírgulas no teu corpo toco-as
busco uma palavra um horizonte
o romper do sol a maravilha…
sei onde o teu mar envolvo-o nos meus lábios
e adormeço menino nos teus dedos
tão ternos tão suaves
hoje nascerei de ti...

mário contumélias

tristeza


(para a Ana, passando pela Ana Rita)


Entristecem-te os olhos a tua ilha chora…
Ai, quanta mágoa o oceano envolve Ai, quantas
mortes escondidas pelas levadas Ai corpos frios
enregelando os ossos Ai árvores caídas,
casas desfeitas, gente que ficou sem nada…
Entristecem-te os olhos a tua ilha chora
É tanto o mar!

Pouco on-line


É verdade que me afasto. Que deixo cair o blog no silêncio, quase campa rasa e cruz a condizer. Mas amo este azul. E acabo sempre por voltar.

sábado, junho 06, 2009

Evocação de Maio


1.
Primeiro foi o teu perfume.
O teu cheiro a laranjas e Maio,
o teu rosto molhado, a nitidez
do teu soriso, o coração inquieto
:sangue e fogo. Delírios misturados.
Uma alquimia estranha e proibida...

2.
Mais tarde os teus cabelos vieram
dar à pedra uma nova vibração. Eras tu.
Espaço lunar, tempo de estrelas
e águas deslumbrantes. Ouro
e seiva. Outono quase certo ou uma casa.
Eu mergulhava até ao coração…

3.
Os animais foi só mais tarde.
Os dois quietos no fascínio de ser
assim possível. Cúmplices,
quedávamo-nos serenos ante a maravilha...

4.
Ninguém sabe onde o vento
poisa as suas asas. Hoje bebemos
água fresca na fonte que há nos dedos.
A substância do teu cheiro em Maio
enche-me os bolsos de doçura.
Sei que os dias são longos,
que há abismos, que as noites
doem muitas vezes Mas
as palavras nascem como as rosas...

mário contumélias

sexta-feira, maio 29, 2009

Sempre Abril. Mesmo em Maio.



De madrugada, o telefone acorda-me, estridente. Do outro lado, o sub-chefe de Redacção de “O Século” diz-me: «é melhor vestires-te e vires já para o jornal; parece que há por aí umas movimentações militares»... Estremunhado, dispenso o duche, visto-me, e avanço. Já no jornal, mandam-me para a Praça do Comércio. Ainda não há povo, apenas militares. Um homem de “cara fechada”, firme nas ordens, está no comando; venho a saber, pouco depois, que é de Santarém, Salgueiro Maia de seu nome. Outros oficiais, suponho, vão chegando e empunhando a arma, mesmo à civil. O dia nasce, ainda não há povo, mas começam a aproximar-se os primeiros curiosos, que os “cacilheiros” depositam no Cais das Colunas; outros vêm do interior da cidade. Está tudo calmo. Por mim, não sei como conter a emoção; onde ir buscar forças com que garantir a objectividade jornalística que me pedem. Um pouco mais tarde, as coisas aquecem: há forças militares na Rua do Arsenal; são fiéis ao governo, segreda-se. Salgueiro Maia avança com os seus homens para o princípio da rua. Há, agora, frente a frente, militares feitos com o passado e um capitão “com saudades do futuro”. Como é que vai ser? Morre tudo aqui? No passeio do lado do Tejo, mais ou menos a meio da Rua das Naus, estou na via das balas mas nem dou por isso. Alguém me diz que é um brigadeiro “reaça”, que não desarma, que quer mesmo ir para a luta. Não tenho forma de confirmar, mas percebo que se parlamenta. Finalmente, ao fim de um tempo que me parece infindável, os homens do regime rendem-se ou desistem, não sei bem. Começa ali, o “25 de Abril” sem sangue. Respiro fundo e resolvo acompanhar os militares a caminho do Carmo, Rua da Conceição acima. Agora já há povo por todo o lado, gente que sorri, gente que ri, que aplaude. Quinta-feira de festa. Enterrado o medo, nascerão amanhã as primeiras flores nos canos da G3, arma que eu, “passado á peluda” um mês antes, tão pouco estimava. Os soldados sobem a rua, ainda com algum cuidado, cosidos ás paredes. Diz-se que a GNR não se rende e vai dar luta, mas as pessoas fazem fila dos dois lados da via, indiferentes ao perigo; a sede de liberdade abre as bocas, há tanto tempo cerradas. Toda a gente sobe ao Carmo. Passo por um GNR de mauser ao ombro, perdido no meio de tudo; passamos todos; o espanto na cara dele dava um “boneco”, onde é que para o Alfredo Cunha? Já o perdi, foi á procura do “25 de Abril” do seu incontornável talento; aquele é repórter até aos dentes, penso. No Largo do Carmo, há uma multidão que cresce e se junta. As ruínas, as árvores, o largo, a rua, está tudo pejado de gente. Ouve-se que Marcelo Caetano está lá dentro, com alguns ministros; que um dos altos dignatários chora de medo; mas ninguém se rende. Seja lá como for — mais tarde há-de chegar António de Spínola, para o cair formal do pano sob o regime que durante quarenta e oito anos fez perder Portugal e amordaçou os portugueses — é claro para todos que o amanhã começou. Um cidadão aproveita o impasse para ler o “Diário de Notícias”; manchete atrevida para a ordem vigente ontem, mas demasiado temerosa para o dia que vivemos: “Eclodiu um movimento militar”, titula o jornal. Podia titular: Re-Nasce Portugal. Naquele dia, quinta-feira, 25 de Abril de 1974, esta afirmação era uma verdade florida, aplaudida. Os homens destinados a fazer a guerra tinham, de madrugada, na aparente frieza dos tanques, no calor do gelado metal das espingardas, devolvido um país á História, e entregue ao povo o respeito por si, que lhe fora roubado. É por isso que este texto não tem rigor científico, sociológico, histórico, jornalístico. É, apenas e ainda, o texto de uma emoção que me ficou cá dentro e que constitui parte do mais valioso património da minha vida vivida; está-se nas tintas para a objectividade. Uns dias antes daquela manhã como nenhuma outra, o Zeca tinha-me dito no Coliseu: “Eh, Pá! Já nem os filhos da puta dos Pides salvam os gajos”. Tinha razão. Em 25 de Abril de 1974, como, dias depois, no primeiro 1 de Maio em Liberdade, Lisboa também soube ser Grandola. Que seja capaz de não perder, nunca, essa força. Que sejamos capazes.

mário contumélias
foto: alfredo cunha

domingo, maio 24, 2009

rosas 44

o genoma, já se sabe, não tem cor. e o amor?
o amor é cor-de-rosa por isso, às vezes, tem espinhos
coisas menos boas, misturadas com carinhos.