sexta-feira, dezembro 22, 2006

Uivo

poderia dizer: quero apenas desnudar-te...
tira a máscara. mostra o teu nome verdadeiro.
não tenhas medo. voo para lá do corpo. o pormenor
não me detém. não sou o que guarda pétalas no
fundo das gavetas. o que escreve cartas a si próprio...
vivo intensamente no suave tecido do teu ventre
por isso despe-te. constrói a minha fala. ensina as
minhas mãos. não. não quero apenas desnudar-te.
farei de ti a minha lua. a noite espera. eu sou
o uivo. ouve-lo no vento?

mário contumélias

domingo, dezembro 10, 2006

o gato

O gato espreita no azul Sereno
sabedor o gato espreita no azul
Esconde mistérios suspensos nos olhos
com que fita Nos olhos o gato esconde
Encostado a um canto silencioso
o gato sabe tudo
Discreto sem metáfora
o gato é apenas um gato.

mário contumélias

mistério

há um mistério no almíscar cheira a tapetes
a deserto a tendas árabes cheira a ópio
a mulheres entre serpenteando a
viajantes do longe cheira a uvas
seduz a tez da pele escura seduz
o movimento o tempo esquece-se de ser
o espaço é só um sonho não há palavras...
na boca das tardes enlanguesce ainda o gesto
e já nos olhos do céu se adivinham estrelas
tudo é inominado só o cheiro persiste
só ele diz só ele transfigura o instante...
falas de canela de especiarias talvez
de antigas rotas de piratas sabedores
de mundos talvez de cavalos
fugidios e negros galopando
tudo o mesmo mistério...
moura encantada és sei-o agora
água que fala fonte que mata
a sede e resta sequiosa almíscar mineral.

mário contumélias

sexta-feira, julho 14, 2006

alfama

a rua respira uma Lisboa
antiga Proletária
é o basalto do chão,
as "porta com porta" baixas
os vasos de flores entre soleiras
os velhos que caminham lentos
a ausência de bulício
a morte que sorri discreta a um canto.

mário contumélias